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quarta-feira, 20 de junho de 2012

O bom do futebol e ninguém gosta dos Alemães

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O bom do futebol e ninguém gosta dos Alemães

Uma bela história que a seguir vamos reportar, que não é da nossa autoria, mas que mostra o lado belo do futebol. A paixão, o entusiasmos, a simpatia, a empatia, o convívio e a busca de um sonho perdido. E o mais bonito de tudo é que a história ainda tem uma moral: "Ninguém gosta dos Alemães". Ao jornalista que escreveu este pedaço de literatura os nosso parabéns, um belo momento pelo qual passou e sem dúvida que as aparências iludem.
Aconselhamos a acompanha a leitura da história ao som da música (no fim do post). Um bocado de off-topic, mas um momento para relaxar a apreciar, enquanto que não começa a fase decisiva do EURO 2012.


INÍCIO:

"É impossível adivinhar a nacionalidade de Bogdan só de olhar para ele. Tem aspecto de cowboy urbano, como diria o grande Álvaro Costa. Botas de bico, estilo Crocodilo Dundee, óculos espelhados como os de Stallone, no filme Cobra, e vários acessórios de feira. Parece pronto para entrar num safari a qualquer momento.


Está na minha cabine no comboio que apanhei para fazer a viagem entre Katowice e Cracóvia. E tem um ar pouco simpático. Cara cerrada, feições fortes, postura militar. Lança-me alguns olhares quando me sento. Não parece amigável. À sua frente está Daniel. Um jovem com um aspecto mais leve. Refugia-se no seu leitor mp3, encosta a cabeça e não demora muito para adormecer. Ressona levemente.


Nesse momento fico com inveja. Também estou cansado, também gostaria de dormir, mas tenho dificuldade em fechar os olhos nestes transportes. Além disso, estou sozinho, com a mochila perto de mim: portátil, máquina fotográfica, alguma roupa. E não sei quem são estas pessoas. Sobretudo o cowboy. Não pára de olhar para mim, com os seus olhos escondidos atrás dos óculos espelhados onde consigo ver a minha cara de sono. Parece deserto para conversar comigo, mas não o faz. Prefere observar-me enquanto mexo no telemóvel ou tento encontrar uma posição confortável para encostar a cabeça.


Decido atalhar caminho. A viagem ainda é longa e este estranho é a única companhia que tenho por perto. «Anda, pergunta-lhe qualquer coisa», penso para mim.


«És daqui da Polónia?»


Bastou esta simples iniciativa para que a face dura daquele homem desse lugar a uma expressão alegre e sociável.


«Sim, sou polaco, mas não vivo aqui. Trabalho na Áustria, em Viena. Estou de regresso à Polónia apenas para visitar a minha família. Vivem em Varsóvia. Venho cá uma vez por ano. E tu?»


«Sou português. Vim por causa do Euro.»


«Português? Isso é óptimo. Vi o vosso jogo frente aos alemães. Estava a torcer por vocês. Não mereciam perder. Mas tenho a certeza que vão ganhar à Dinamarca. Vais ao estádio?»


«Sim, claro. Fui ver contra a Alemanha e irei voltar contra a Dinamarca.»


«Estão a jogar em Lviv, certo?»


«Sim, uma cidade muito bonita. Mas ainda está cheia de alemães eufóricos por causa da vitória. Neste momento, não é o melhor sítio para um português.»


«Pois, então não é o melhor sítio para ninguém. Qualquer lugar onde estejam alemães é mau.»


«Não gostas de alemães?»


«Ninguém gosta dos alemães [lança uma gargalhada]. Os alemães são… alemães [e volta a rir euforicamente].


Espírito invasor


Não tenho nada contra o povo alemão, mas por estes dias estão longe de figurar entre os adeptos que mais gostei. Depois da vitória contra Portugal, invadiram o centro de Lviv, penduraram bandeiras nas estátuas, partiram garrafas na rua e olhavam para os portugueses, como eu, num misto de troça e superioridade. A noite que passei em Lviv, após este jogo, foi dolorosa. Os alemães estão com eles, entre eles, e não se dão com ninguém. Transformaram esta bonita cidade numa espécie de colónia germânica. E fizeram-no com agressividade. Os próprios ucranianos sentiam-se a mais. Sentiam algum receio. E não é fácil meter medo a um ucraniano no seu próprio país.


As razões de Bogdan, porém, são mais profundas do que as minhas. Não se devem a um jogo de futebol. Têm raízes históricas, familiares.


«O meu avô esteve em Auschwitz. A minha avó morreu em Auschwitz. Bem sei que o nazismo foi há muitos anos e que a maioria dos alemães actuais tem vergonha desse período. Mas é sempre difícil para mim. Ainda para mais, o futebol, embora seja um jogo fantástico, por vezes desperta sentimentos de nacionalismo que, no caso dos alemães, são muito perigosos.»


Diz-me tudo isto num inglês fluente. De alguém que está habituado a viajar muito. Fruto de um trabalho numa rede imobiliária internacional.


«Adquirimos propriedades em vários países para depois tentarmos vender. Hungria, Alemanha, Polónia, Áustria, Eslovénia… Neste momento vivo em Viena, mas também já trabalhei na Alemanha, em Berlim, primeiro, e Colónia, mais tarde, durante dois anos.»


«E como foi essa experiência?»


«Ganhas bom dinheiro, tens excelentes condições de saúde, mas eles não deixam que te sintas em casa. Podes lá estar 20 anos e nunca deixarás de ser visto como um estrangeiro. Só lá voltava em trabalho. De outra forma não queria. Há países bem melhores. Como o teu.»


«Já estiveste em Portugal?»


«Sim, mas não fui em trabalho [risos]. Apenas party, party, party. Estive em Lisboa, Porto e Algarve. Com um grupo de amigos. Adorei o Bairro Alto. Vocês são loucos. Aquilo tudo é uma loucura. Bebem na rua, fumam charros na rua, as mulheres são lindas. Toda a gente é linda.»


O fã de Raul Meireles


Daniel acordou neste momento. Arrumou o leitor de mp3, tirou uma sandes da sua mochila e ficou a olhar para nós. Bogdan não o conhece, mas fez questão de traduzir. Daniel é austríaco, fala apenas alemão e está a caminho da Polónia para tentar a sua sorte num clube da segunda liga. Tem 20 anos, é médio centro e diz que a vida de futebolista está complicada na Áustria.


«Não sou um jogador de primeira divisão, mas ainda fiz parte da formação no Rapid Viena. Agora estou sem clube. Vou fazer alguns testes na Polónia e ver se tenho sorte.»


Percebe muito de futebol e é um admirador da Selecção Nacional. Diz que gosta de Cristiano Ronaldo, mas o seu preferido é Raul Meireles.


Bogdan interrompe para lhe fazer a pergunta da ordem. Percebo imediatamente a resposta de Daniel. «Os alemães? Não. Ninguém gosta dos alemães!» O cowboy agarra-se ao estômago e entrega-se a uma forte gargalhada: «Estás a ver? Ninguém gosta dos alemães. Ninguém [continua a rir como um louco].»


Aqui está o homem que parecia antipático. O vendedor imobiliário que julguei ser um assassino a soldo de qualquer máfia de leste. A pessoa que derrubou todos os meus julgamentos e complexos quando começou a falar. Simples, sorridente e uma boa companhia durante esta viagem.


Estamos a chegar a Cracóvia. A minha saída. Eles vão continuar até à estação final: Varsóvia. Pego na mochila, despeço-me dos dois e preparo-me para sair da carruagem.


Bogdan faz-me um sinal com o polegar: «Boa sorte para Portugal e cuidado com os alemães.» Volta a rir. Eufórico. Agarra-se à barriga: «Os alemães, os alemães… ninguém gosta deles!» "

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